MASHPI LODGE, UMA BOLHA DE CRISTAL NO BOSQUE NUBLADO DO EQUADOR
Existe um lugar no Equador onde os segredos de uma floresta misteriosa se escondem sob a névoa constante que paira no ar. Entre cachoeiras, riachos e uma vegetação tropical exuberante, a vida animal ecoa pelo Bosque Nublado, na Reserva do Choco. É no Distrito Metropolitano de Quito, a apenas três horas da capital equatoriana, que os vestígios da Floresta Amazônica, se revelam numa mata secundária, que se separou da floresta-mãe há milhões de anos, pela formação da cadeia montanhosa dos Andes. Para se aventurar por esse bosque inusitado aposte no Mashpi Lodge.
Oito horas em ponto o motorista nos esperava em frente ao hotel Casa Gangotena, no centro histórico de Quito, ponto de partida para um mergulho no Choco Andino. A região faz parte do famoso hotspot Tumbes-Choco-Magdalena, que cobre 125 mil hectares conhecidos mundialmente pelos seus impressionantes micro climas resultantes dos gradientes de altitude.
Se faz sol pela estrada, basta a placa sinalizar o Bosque Nublado para a névoa tomar conta e encher o ar de mistério.
Com tamanha peculiaridade, e fortemente afetada pelo desmatamento, em 2001, um grupo de amigos ambientalistas, liderados por Roque Sevilla, uniu forças para comprar 1 mil e 200 hectares da reserva com o objetivo de proteger a parte equatoriana do Choco (que se estende do Panamá, passando pela Colômbia e Equador, indo até a fronteira do Peru).
Ali nasceu o espetacular Mashpi Lodge, membro da National Geographic Unique Lodges of the World, para reverenciar a biodiversidade e revelar com verdadeiro respeito a essência da natureza.
Depois de percorrer os 115 quilômetros de uma estrada sinuosa que nos fez descer dos 2.800 metros de altitude de Quito até módicos 1.000 metros, o portão se abriu para um mundo mágico. Desci do carro, na Reserva Mashpi, um pouco enjoada das curvas, e entrei numa saleta enquanto aguardava a liberação para seguir caminho até o Mashpi Lodge, onde ficaria hospedada por cinco dias. Assustado e exausto um beija-flor me olhava de um canto da sala. Libertei o amigo que saiu feliz, batendo asas em velocidade espantosa.
Comecei a jornada feliz. Mal sabia que aquele era apenas um dos tantos exemplares de colibris que alegrariam minha estada. A Reserva Mashpi abriga mais de 400 espécies de aves (sendo 32 de colibris), 150 de borboletas, além de 120 espécies de répteis e anfíbios, entre eles os sapinhos recém descobertos pela ciência, Mashpi Torenteer, endêmicos da região. Um verdadeiro paraíso para os apaixonados pela natureza.
Finalmente, ao desembarcar no saguão principal do Mashpi Lodge (faça sua reserva aqui), passamos por uma cabine de ozônio, desinfetamos sapatos e malas com jato de uma substância apropriada para não agredir o meio ambiente, verificamos a temperatura, passamos álcool em gel nas mãos e fomos convidados para uma pequena apresentação na Sala de Expedição. Os protocolos de higiene estão ainda mais rigorosos durante a pandemia de Covid-19. Me senti segura.
Marc Bery, o gerente geral, que eu já conhecia de um episódio apresentado sobre o Mashpi Lodge pela BBC na série “Amazing Hotels: Life Beyond the Lobby” foi quem conduziu descontraidamente o primeiro papo.
Descobri que dali para frente eu teria um guia naturalista para me acompanhar constantemente durante as expedições. Era Danilo, um jovem nativo da região, muito experiente.
Recebi botas de borracha, uma mochila de lona, garrafa de alumínio para colocar água e um bastão para usar nas trilhas. Estava pronta para explorar o Bosque Nublado.
Ah! Se por acaso faltar alguma coisa na sua mala, saiba que a boutique vai te salvar. Tem tudo que é necessário para encarar as aventuras e claro, para comprar aquele presentinho para alguém especial. A lojinha é uma graça.
Então... hora do almoço. Bastou descer um lance de escada para eu me sentir imersa na floresta, como se estivesse numa imensa bolha de vidro. Para onde quer que se olhe, o bosque acena com seus tantos tons de verde, através dos janelões. Um banquete, tanto para o paladar como para os olhos. Ingredientes frescos da região, fazem um casamento perfeito com pratos requintados da cozinha equatoriana. Cada refeição é uma verdadeira experiência gastronômica. Seja café da manhã, almoço ou jantar.
Não deixe de experimentar os coquetéis preparados com tanta dedicação pelo mixologista. Tudo delicioso. O lodge é um all inclusive, de padrão gourmet.
Vale lembrar que nesse momento o cardápio pode ser consultado por QR Code e as mesas estão mais afastadas do que o habitual, o que por um lado traz até mais privacidade e charme.
Quarto liberado após o check in, 14 horas, e minha curiosidade era enorme com as acomodações. Imagina um hotel projetado para você imergir totalmente na vida da floresta, um retiro de luxo, de design contemporâneo, idealizado com métodos de construção sustentáveis.
Parte da sua estrutura foi pré-montada em Quito e trazida pronta para não causar danos à natureza. Nenhuma árvore sequer foi derrubada durante sua construção. Aquele grande casulo feito em aço e vidro se mistura harmoniosamente com o bosque e se torna quase invisível no meio das árvores. As criaturas que vivem no entorno não são perturbadas pelo movimento do hotel. Já me identifiquei!
De quase todos os pontos do Mashpi Lodge a vista panorâmica brinda o olhar. Basta dizer que você nem precisa sair do quarto para entrar na floresta. Ela vem até você.
Os 24 quartos são dispostos em 3 andares, todos com janelões panorâmicos envidraçados de parede a parede tendo o bosque a alguns metros de distância. Há apenas uma parte da janela que se abre para a mata e é protegida por uma tela para você não acordar acompanhado de algum amigo assustador.
Optei por um quarto da categoria Wayra, que significa “vento” em quéchua, no terceiro andar, para me sentir no topo das árvores. Todo envidraçado, de uma luz natural incrível! Já, a iluminação noturna é indireta, feita com lâmpadas de LED embutidas ao longo da cabeceira da cama. Acompanha o astral da floresta. Místico e mágico.
Cama King size, muito confortável. Lençóis, edredons e travesseiros que abraçam. No banheiro, apenas produtos com fórmulas que não agridem a natureza.
Me sentindo dentro da floresta, mas ao mesmo tempo protegida.
Meu quarto tinha o privilégio de estar em frente ao spa. Nem preciso dizer que depois das tantas caminhadas pela floresta, uma massagem era mais do que bem-vinda. Meus dias, portanto, acabavam relaxados!
CADA UM DO SEU JEITO
Para desbravar a floresta, trilhas não faltam. Desde as mais curtinhas até as bem longas. Aliás, cada pessoa encontra a sua maneira de explorar a beleza da Reserva Mashpi. Seja fazendo caminhadas, subindo até a Torre de Observação, andando na Dragonfly, na Sky Bike, aprendendo sobre a fauna local no Laboratório, no Centro da Vida, no Jardim dos Colibris, relaxando no Spa, curtindo a cozinha equatoriana feita com produtos da região, conversando com os guias locais, meditando no deck ou se energizando numa das tantas cachoeiras. O Mashpi Lodge tem o poder de fazer uma conexão profunda com a essência da vida.
TRILHA FIGO STRANGLER
Minha primeira trilha foi rápida - uma horinha e meia - para uma adaptação ao terreno e para eu ganhar intimidade com a reserva. O canto dos pássaros. As tantas magnólias marcando presença. Troncos adornados com orquídeas e bromélias. O orvalho constante. Liquens e musgos. Ar puro. Vida!
Foram cinco dias de caminhadas e papos sensacionais com o guia naturalista Danilo explicando calmamente cada detalhe e mostrando familiaridade com as plantas e com os bichinhos que apareciam pela frente. As expedições são sugeridas conforme o interesse de cada hóspede e de acordo com a condição física.
DRAGONFLY E A CASCATA CUCHARILLOS
Ao raiar do dia seguinte, pulei da cama para uma expedição que prometia bons momentos. Um belo café da manhã foi servido na varanda e nosso guia já esperava do lado de fora com as galochas e o bastão. Em dez minutos de caminhada chegamos a Orchid Station para tomar o teleférico Dragonfly que percorre 2 quilômetros sobre a floresta (total de ida e volta = 4 km). O trajeto de ida dura 40 minutos e tem duas estações de saída: a Canopy Station e o ponto final Cock-of-the-Rock onde tem um mirante.
O passeio na Dragonfly, também chamado de La Libélula, já é um programa em si. Foi tudo construído manualmente, sem a entrada de maquinário pesado para não comprometer o meio ambiente. É alto! Em alguns pontos dá até um friozinho na barriga quando se olha para baixo. Passa dos 200 metros de altura. Ao descer da gôndola fizemos uma trilha pela mata de pouco menos de uma hora atravessando trechos por dentro de um pequeno riacho (as botas de borracha foram fundamentais) e paramos para mergulhar em duas cachoeiras, a maior delas de nome Cascata Cucharillos. Energia incrível!
Pela tarde, duas horas se passaram voando literalmente enquanto estivemos no Jardim dos Colibris. Vários bebedouros ficam disponíveis aos beija-flores que sem nenhuma cerimônia fazem a festa a menos de um metro de distância dos visitantes (que mal conseguem piscar, tal a beleza do espetáculo). São colibris de mais de dez espécies. Alguns que eu nunca tinha visto antes. Pequeninos. Delicados. Leves. Lindos. Determinados.
CENTRO DA VIDA
Foi no Centro da Vida que tomei café da manhã ao raiar do dia seguinte cercada por pássaros e borboletas. Aprendi muito sobre o ciclo de vida das borboletas e sua metamorfose (ovo, larva, pupa), com um cientista local e, por sorte, presenciei várias delas saindo do casulo para iniciar sua fase mais bonita e colorida, ainda que breve. Emocionante demais!
TRILHA MAGNÓLIA
Aproveitando que a tarde ganhou um pouco de sol, tomamos novamente o teleférico para ir dessa vez a Cachoeira Magnólia, no rio Lagoa. Água geladinha para refrescar depois da caminhada puxada, cheia de subidas e descidas.
A trilha tem um mirante onde se pode ver (e até abraçar) a Magnólia Mashpi, uma árvore endêmica da região, descoberta em 2018. O pôr do sol nesse dia foi inesquecível, o que é raro no Mashpi Lodge por ser um bosque constantemente nublado.
TRILHA LUMINOSA
Também teve passeio noturno. Munidos de uma lanterna saímos em busca dos icônicos sapinhos da região, das tarântulas e de outros insetos que brilham no escuro. A floresta é assustadora quando escurece. Uma experiência inusitada. Por sorte vi os sapinhos e não encontrei as aranhas, as serpentes nem os escorpiões. Ufa! Eles me dão medo...
TRILHA DA CACHOEIRA COPAL
Deixei para o último dia a trilha até a Cachoeira Copal, com queda d’água de mais de 50 metros. Trilha bem puxada, de 1.3 km, com bastante inclinação, dificuldade moderada. Levamos uma hora e meia para chegar e o mesmo tempo para retornar.
O esforço foi muito bem recompensado com um banho daqueles de lavar a alma!
TORRE DE OBSERVAÇÃO
Cansamos um pouquinho, mas nada que tirasse o ânimo de subir até a Torre de Observação. Um lugar incrível que me remeteu ao Cristalino Lodge, na Amazônia Mato-Grossense. A torre tem 8 andares e um visual incrível de toda a reserva.
Um local imperdível para se observar toda a Reserva Mashpi.
SKY BIKE
Ao lado da torre fica a Sky Bike, uma bicicleta que flutua sobre a floresta, passando sobre um riacho. Uma aventura e tanto. Força no pedal que você estará a 100 metros de altura descobrindo os segredos do bosque.
LABORATÓRIO
No último dia fiz ioga com aquela energia maravilhosa da floresta e uma visita ao Laboratório para fechar com chave de ouro. O biólogo Anderson Medina falou sobre as pesquisas desenvolvidas na propriedade, sobre as espécies endêmicas estudadas inclusive com câmeras ocultas em lugares pouco acessíveis, onde alguns animais mais tímidos habitam e raramente de deixam flagrar. Vimos imagens espetaculares da Rã de Cristal sobre um vidro, com seus órgãos internos praticamente visíveis a olho nu e o coração pulsando. Uma experiência e tanto.
FALTOU TEMPO
Não tivemos tempo suficiente para fazer as trilhas Capuchinho (que leva até a Cachoeira Healing) e a Trilha Cock-of-the-Rock (que inicia as 3 horas da madrugada para ver os galos da região). Essas duas trilhas são bem puxadas.
Em tempos normais, sem pandemia, também é possível visitar comunidades locais. Mas, não nesse momento.
DETALHES QUE FAZEM A DIFERENÇA
Protocolos de higiene bastante rigorosos. Como já citei acima. Áreas comuns desinfetadas várias vezes ao dia. Carros recebem jato com produtos de limpeza em todo o interior a cada uso. Serviço de quarto suspenso após a entrada dos hóspedes. Check in e check out feitos online. Cardápios com QR Code. Mesas afastadas. Funcionários morando por longos períodos no próprio lodge. Deck de ioga fechado temporariamente para aulas em grupo.
Secagem de roupas gratuitas. Como o bosque é muito úmido, as roupas demoram a secar. O lodge oferece um serviço de secagem que tira todo mundo do aperto. Rápido, prático e eficiente.
Transfer Compartilhado de Quito para o Mashpi Lodge. Para os hóspedes dos hotéis Casa Gangotena, Hilton, JW Marriott e Swissôtel há um transfer (de cortesia) diário saindo de Quito às 8:00 a.m. e retornado as 11:30 a.m. Recomendo que fique hospedado no Casa Gangotena, em Quito. Um espetáculo!
Crianças são bem-vindas. Uma viagem de exploração e conhecimento perfeita para os pequenos. Eles ficam muito animados com as experiências que vivem.
Guias naturalistas. Todas as trilhas são acompanhadas pelo seu guia durante toda a estada.
Botas, casacos e bastões. O hotel fornece gratuitamente esse material aos hóspedes. Um alívio para quem só viaja com mala de mão. Um luxo!
Refeições incluídas. A cozinha do hotel é de padrão gourmet. Café da manhã, almoço e jantar estão incluídos no valor da diária.
ENFIM...
O Mashpi Lodge me surpreendeu do primeiro ao último segundo. Uma proposta forte e audaciosa de preservação da natureza. Combina pesquisa, sustentabilidade, ecoturismo e muito respeito ao Choco Equatoriano enquanto envolve a comunidade local. Daqueles projetos que merecem nosso prestígio e nosso aplauso. Uma Floresta Encantada!
* Essa matéria foi atualizada em julho/2022.
Obrigada pela sugestão. Qdo tiver mais dicas de hotéis. Vc pode me enviar? Obrigada andrea carlan
ResponderExcluirOlá Carlan,
ExcluirEsse hotel é realmente espetacular. Uma verdadeira imersão num bosque mais do que encantado. Maravilhoso.
Abs