ALTER DO CHÃO, UMA JORNADA PELOS SENTIDOS
Viajar para Alter do Chão, na Floresta Amazônica do Pará, é a certeza de descobrir um Brasil lindo, forte, singular, verde, grandioso, exótico, misterioso, surpreendente e cercado de água por todos os lados. Adjetivos não faltam para enaltecer o vilarejo regado pelo rio Tapajós. Prova disso é que o destino ganhou fama internacional ao ter suas praias de rio reveladas pelo jornal britânico The Guardian como as mais bonitas do mundo.
Essa mistura perfeita de floresta com rios cheios de vida é o retrato de Alter do Chão. Mergulhar nesse turbilhão de água doce, entre bancos de areia, igapós e igarapés, com paisagens que dançam ao sabor do ciclo das águas e onde a vida dos caboclos ribeirinhos, de traços indígenas, esbanja simplicidade, é um presente que todo brasileiro deveria se dar.
É FÁCIL CHEGAR
Talvez você imagine que essa seja uma viagem complicada, por ser no norte do Brasil, na Floresta Amazônica do estado do Pará e por precisar de barco para chegar a alguns desses cenários intocados, mas saiba que não é.
Do Rio de Janeiro até Santarém, via Brasília, foram aproximadamente 4 horas de voo, com conexão imediata, seguidas de um trecho de carro de 35 quilômetros, por estrada asfaltada, feito em meia hora.
Cheguei em Alter do Chão no início da tarde, depois de almoçar uma costela de tambaqui na brasa, no delicioso restaurante Casa do Saulo, na praia de Carapanari, ainda a tempo de embarcar na primeira aventura da viagem pela Floresta Encantada.
ENTRANDO EM OUTRA DIMENSÃO
De lancha, a partir do centrinho de Alter do Chão, entramos pelo Lago Verde, depois de contornar a Ilha do Amor, com destino a comunidade de Caranazal, na cabeceira do igapó do Cuicuera. Então, a lancha parou e de canoa, com um nativo do vilarejo, seguimos pela floresta alagada.
Céu azul, um dia lindo e eu tinha a nítida sensação de estar entrando em outra dimensão. As árvores refletidas na água traziam mistério e apenas o barulho do remo rasgando o igapó ecoava no ar. Iniciava ali uma jornada pelos sentidos.
Subitamente de azul o céu foi ganhando tons acinzentados. Nuvens pesadas se aproximaram deixando tudo ainda mais poético. Foi o tempo de dar um mergulho revigorante numa prainha deserta da Ilha do Amor. Então, uma chuvinha leve avisou que eram os últimos respingos da estação e que a temporada seca daria as cartas.
PAISAGENS QUE FLUTUAM
Eis uma questão importante, o período da viagem, pois a paisagem muda completamente conforme a época do ano, em função das chuvas. As famosas praias de rio do verão amazônico começam a aparecer em agosto, no início da temporada seca, que vai até dezembro. Quanto mais para o final do ano, mais extensas estarão as praias e maiores os bancos de areia. A diferença de nível da água entre a cheia e a seca chega a ser de oito metros. Portanto, se seu objetivo for passear de barco na época alagada, recomendo que vá de janeiro a julho, quando inclusive será mais fácil observar a fauna local. Mas, se as praias forem seu desejo maior, então faça a viagem no segundo semestre do ano.
Eu estive em Alter do Chão no mês de agosto, um período de baixa temporada, no início da transição da cheia para a seca, e foi incrível. Já havia muitas praias se formando, inclusive na Ilha do Amor que é o principal cartão-postal de Alter, e não peguei vento nem chuva.
POUSADA BOUTIQUE VILA DE ALTER
Já em terra firme, de volta da Floresta Encantada, o motorista esperava para retornarmos ao hotel. Nossa “casa” em Alter de Chão atendia pelo nome de Vila de Alter, uma pousada boutique maravilhosa, com apenas seis acomodações suspensas sobre palafitas e com áreas comuns distribuídas num terreno de quatro mil metros, totalmente verde, onde as preguiças circulam sem pressa pelas árvores, agarradinhas aos seus filhotes.
A Vila de Alter valoriza a simplicidade ribeirinha aliada ao conforto, a hospitalidade e ao atendimento personalizado. Tanto que o roteiro da nossa viagem foi todo desenhado pelas sócias Andrea e Regina, desde o transfer de chegada aos passeios de lancha feitos com Geovani, da Poraquê Turismo, uma empresa familiar, de gente da terra e com serviço muito atencioso.
As acomodações e os espaços comuns da Vila de Alter foram batizados com nomes de espécies da flora amazônica. Samaúma, a árvore da vida, é a recepção. Toda aberta, ela faz a conexão dos hóspedes com a natureza que saúda a entrada nesse reduto de paz. Andando mais alguns metros pela passarela de madeira está a cozinha conjugada com a área de convivência, devidamente chamada de Camu-camu, uma árvores frutífera. Cumaru era o nome do meu bangalô. Cada um deles revela um pedacinho da biodiversidade amazônica na sua identificação: Inajá, Tucumã, Urucum, Piquiá, Mururé. E assim o zelo se reflete por todos os lados levando os hóspedes a uma conexão profunda com a cultura local.
O que mais me chamou atenção ao escolher a Vila de Alter é que a propriedade já nasceu comprometida com o turismo sustentável e com a preservação do meio ambiente. No projeto foi usada madeira de reflorestamento, telhas de fibras vegetais recicladas, fossas ecológicas no saneamento básico e círculos de bananeira para filtrar as águas cinzas. Além disso, são utilizados eletrodomésticos de baixo consumo, o lixo orgânico é transformado em adubo numa composteira e os produtos utilizados na cozinha vem da agricultura familiar local. Precisamos prestar atenção à essas atitudes ao escolher a hospedagem.
Em 2019, com menos de três anos de existência, a Vila de Ater já figurava entre as 25 melhores pousadas do Brasil com o título Travellers Choice, uma resposta do público em reconhecimento ao belo trabalho dessa propriedade que tem os selos Circuito Elegante e Remote Latin America.
PRO DIA NASCER FELIZ
Os dias começavam cedo, com um café da manhã dos deuses servido na varanda do bangalô. Uma medida importante nesse momento delicado que estamos vivendo. Suco de fruta natural, mingau de tapioca, pães e bolos servidos ainda quentinhos (vocês não têm ideia da maravilha do pão de açaí!), ovos fritos ou mexidos, queijo grelhado, banana da terra... Tudo maravilhoso!
TRILHA NA SELVA
Depois dessa Festa de Babette chegamos em 5 minutos com o motorista no píer onde a lancha aguardava pronta para a partida. O destino era a Floresta Nacional do Tapajós - FLONA. Pelo caminho, o marinheiro Geovani contava que até o século XVIII as comunidades indígenas Boraris, que falavam tupi-guarani, eram maioria na região e que ainda hoje utensílios usados por eles são encontrados no solo. Com ele também aprendi a saudação “purangara” que significa “bom dia” no idioma das etnias do baixo Tapajós e “cuecaturete” que quer dizer “muito obrigada”.
Uma hora depois chegamos na comunidade de Jamaraquá para encarar a Trilha do Piquiá, de 9 quilômetros pela floresta adentro com o guia Franklin Chaves.
Fizemos um registro na Associação de Moradores e pagamos uma taxa para entrar. A simpatia das pessoas foi o ponto alto. Dona Conceição, a cozinheira do vilarejo perguntou entre sorrisos o que deveria ser preparado para o almoço. Escolhemos uma banda de tambaqui na brasa com arroz, feijão e salada e deixamos essa missão para ela.
Enquanto isso, pela trilha, Franklin nos ensinava sobre plantas medicinais, mostrava o material extraído do tronco da muúba para calafetar canoas, oferecia frutos amazônicos nunca vistos antes e trançava a palha de curuá que serve para fazer telhados.
Logo adiante a seringueira foi o centro das atenções. Trouxe à tona a história da ascensão meteórica do vilarejo de Fordlândia, criado no início do século XX, quando a extração do látex serviria para a fabricação de pneus para a Companhia Ford, do empresário norte-americano Henry Ford. Mas as coisas não aconteceram como o esperado e o projetou foi desativado alguns anos depois, deixando famílias em situação precária. Muitos foram embora, mas alguns resolveram ficar na “cidade fantasma”. Foi quando houve um boom agropecuário que trouxe problemas, muita polêmica e transformações dramáticas para a região, em função do desmatamento.
O almoço foi deliciosamente servido, ao som doce da flauta de um descendente das tribos indígenas da região.
A tarde caía quando retornamos a Alter do Chão, sem antes darmos uma paradinha na Ponta do Maguari. Foi o último mergulho do dia.
BRASIL OU PORTUGAL
Agora tente colocar o nome “Alter do Chão” no ícone tempo do seu celular e será imediatamente arremessado para Portugal. É que o vilarejo nasceu em terras indígenas, na Bacia Amazônica, após a chegada dos portugueses na região, em 1626. Seu nome é uma homenagem ao povoado homônimo de Portugal. Mas garanto que a versão brasileira de Alter do Chão tem as melhores surpresas.
Hoje o vilarejo de Alter do Chão, no estado do Pará, tem 7 mil habitantes, ruas tranquilas, vida pacata e é um lugar seguro. Tem gastronomia cheia de personalidade, as praias de rio mais bonitas do mundo e uma das maiores manifestações folclóricas do Pará, o Sairé. Um festival que ocorre sempre no mês de setembro e é marcado por uma disputa entre os botos Tucuxi e Cor-de-Rosa.
PELO CANAL DO JARI
O dia seguinte foi de uma exuberância sem fim. De lancha, entramos pelo Canal do Jari, um braço do rio Amazonas, enquanto um grupo de botos rosa saltitava. Os animais são muito doces e tímidos. Paramos a lancha e ficamos por um longo tempo assistindo o espetáculo em silêncio.
Mas, o melhor ainda estava por vir quando fui tomada pela sensação de entrar num quadro de Monet ao chegar no Jardim da Vitória-Régia.
As vitórias-régias são plantas muito especiais. Crescem até 25 centímetros por dia e são fortes o suficiente para suportar até 60 quilos.
A forma como se reproduzem é surpreendente. Observe que há flores de cores diferentes. Algumas são brancas e outras rosas. Quando a noite cai, as flores brancas, fêmeas, se abrem e produzem um cheiro doce que atrai um pequeno besouro responsável por polinizar a vitória-régia. Ao amanhecer a flor se fecha e mantém o inseto aprisionado no seu interior até a noite seguinte. Enquanto isso, o pólen que ele traz cai sobre as partes reprodutivas da flor.
Então, começa a magia. A flor branca, fêmea, se transforma numa flor rosa, macho. Finalmente, quando ela se abre o besouro escapa e vai em busca de outra flor para polinizar. A flor morrerá, afundará na água e dará início a uma nova vitória-régia.
Um ciclo completamente inusitado. Dramático ao mesmo tempo em que se revela poético e libertador.
Pois foi observando as vitórias-régias e os animais que se alimentavam de partes delas, que Dona Dulce, uma mulher de sabedoria ímpar, criou intuitivamente um cardápio extenso com quitutes feitos à base do grande nenúfar da Amazônia, que habitualmente “não se come na região”.
Deu certo! Ela criou pipoca, pizza, brownie, geleia, tempura... Tudo delicioso. Uma mulher sensacional que hoje recebe visitantes em sua casa para essa degustação. Imperdível!
Antes de retornar ainda fomos até a casa de Dona Rosângela, uma família ribeirinha tradicional, para um passeio de canoa pelo igapó da Trilha das Preguiças.
Se não tivemos a sorte de encontrar as preguiças pela trilha, fomos brindados com uma jiboia repousando numa árvore, bandos de macacos e muitas aves. Afinal, um terço das espécies existentes no planeta vive na Amazônia.
DESVENDANDO ARAPIUNS
Cada dia uma nova aventura. Guiados pela sabedoria do nosso marinheiro navegamos 12 quilômetros pelo rio Tapajós até alcançar a foz do rio Arapiuns. Dependendo da época do ano esse trajeto pode ser carimbado por solavancos. Por sorte, estava um espelho. Claro que fizemos algumas paradas no caminho para conhecer as prainhas que se formam na seca.
A Ponta do Toronó é impressionante. Um banco de areia que avança por mais de um quilômetro rio adentro durante a seca e some na época alagada. A água é quentinha e os pássaros são companhia constante nas praias de rio. Outras praias lindas e desertas são Icuxi e Ponta Grande.
Por fim, depois de uma hora de lancha, descemos na Vila Coroca para conhecer o projeto Quelônios da Amazônia. Mais de 300 tartarugas imensas se aproximaram ao ver que seu tratador trazia ração. Além dessas, há centenas de filhotes sendo criados para garantir a preservação da espécie. A quantidade e a beleza das tartarugas deixam qualquer um emocionado.
Almoce no restaurante comunitário do povoado, que está preparado para receber turistas. Sugiro que peça tambaqui na brasa. Os peixes são muito frescos e a comida bem caseira. De sobremesa bombom de castanha e de cupuaçu feitos na casa.
Ali mesmo, visite a loja Aripó que vende chapéus, bolsas e cestas lindas feitas de palha de tucumã tingida artesanalmente com corantes naturais pelas artesãs das comunidades ribeirinhas. Deixo aqui o contato da Niete responsável por enviar pedidos para todo o Brasil +55 93 99124 6120.
Antes de ir embora visite as abelhas sem ferrão que produzem um mel cheio de propriedades curativas.
Os dois mergulhos do retorno foram na praia de Caracarai e na praia do Jacaré antes de voltar para Alter do Chão.
SABORES TAPAJÔNICOS
Para jantar, o Ty Comedoria foi nossa escolha número um em Alter do Chão. Comida com alma tapajônica feita com carinho. De entrada recomendo bolinho de piracuí (peixe seco desfiado) e o prato com mini tacacá, salada de feijão de Santarém, farofa de piracuí e aviú refogado. Bem local! De prato principal vá no Pirarucu Caboco. De sobremesa peça pudim de cumaru (considerada a baunilha da Amazônia).
Outras sugestões são o restaurante Tribal e Do Italiano.
PIRACAIA PARA O GRAN FINALE
Nosso último dia em Alter do Chão foi de desacelerar. Pedalamos até o centrinho com as bicicletas oferecidas pela pousada aos hóspedes. O trajeto é de pouco mais de um quilômetro por uma rua de terra com algumas subidinhas. Tomamos um açaí, compramos algumas peças de artesanato na loja Araribá, diretamente das artesãs da etnia Waiwai que haviam chegado com suas bolsas e cestas e que mal falavam português. Demos uma relaxada numa praia vazia próxima da Ilha do Amor e logo o “gran finale” se aproximava.
Quando a noite caiu, fomos surpreendidos com uma “piracaia” na Ilha do Amor. Quer saber o que é uma piracaia? O termo, de origem tupi guarani, significa “peixe assado” pela junção das palavras “pirá” (peixe) e Kaia (fogo). É uma espécie de luau, onde um banquete é servido na areia da praia tendo como prato principal um peixe na brasa, além de bolinhos, banana da terra, farinha e outros acompanhamentos tradicionais da culinária paraense tapajônica.
É um costume dos descendentes das tribos Boraris que acompanha as famílias dos caboclos ribeirinhos até os dias de hoje.
Geralmente a confraternização acontece no verão amazônico, quando chove menos e especialmente durante a piracema, quando há fartura de peixes.
Nesse dia, a lua estava linda, o som do carimbó embalava a noite, inclusive com direito a um show, com os dançarinos devidamente caracterizados.
Jamais esquecerei o sabor do peixe fresco preparado na brasa, os acordes animados cortando a calmaria da noite e a lua cheia se exibindo no horizonte.
ENFIM...
Alter do Chão é um destino perfeito para desacelerar, mergulhar nas águas cristalinas dos rios Tapajós e Arapiuns e estabelecer uma conexão profunda com a natureza exuberante da Amazônia paraense.
Foram seis dias mágicos na pousada boutique Vila de Alter onde me senti em casa. Só tenho a agradecer pelo acolhimento e generosidade das sócias Andrea Aymar e Regina Santos, pessoas brilhantes que fazem a diferença no mundo. De Brasília, onde moravam, as duas decidiram tomar o rumo de Alter do Chão para mergulhar em um projeto de vida desafiador e responsável com o meio ambiente.
Próxima parada: AMAZONAS
LEIA TAMBÉM
Um sonho ir pra Alter do Chão!! Fico encantada de ver as fotos de lá, morro de vontade de conhecer!
ResponderExcluirQUE lugar!!
ResponderExcluirConheço Alter, mas pelo seu relato fiquei com vontade de voltar. O por do sol mais lindo que já vi. Voltarei.
ResponderExcluir