RUANDA, O PAÍS DAS MIL COLINAS


Sem saída para o mar, Ruanda faz fronteira com Uganda, Burundi, República Democrática do Congo (antigo Zaire), Tanzânia; e, surpreende em plena região dos Grandes Lagos, na África centro-oriental, não só pelo relevo aninhado entre montanhas, pelos vulcões adormecidos, por sua história recente de superação, como também pela magia do encontro com os gorilas.

Mapa de Ruanda.

De espécie ameaçada de extinção à símbolo dos novos tempos, os gorilas vêm acompanhando os passos de renascimento do “país das mil colinas”, como Ruanda é conhecida. Um novo capítulo começa a ser escrito deixando para trás a história trágica e tão recente do genocídio que ceifou a vida de mais de um milhão de pessoas da etnia tutsi pelos hutus, num conflito que durou cerca de 100 dias. Sendo que as duas etnias faziam parte de um mesmo povo e a única forma de diferenciar uma da outra eram os documentos criados pelos colonizadores europeus.

 Ruanda volta a sorrir.

Faz pouco mais de 25 anos. As cicatrizes ainda estão abertas. Sorrisos comedidos mostram as marcas deixadas pelo massacre. Ninguém foi poupado do sofrimento. O filme Hotel Ruanda retrata esse capítulo devastador, que se passa em 1994, na capital Kigali, baseado na história real do gerente Paul Rusesabagina, do Hotel des Mille Collines, que escondeu mais de mil refugiados nas suas dependências. A morte do presidente de Ruanda em um atentado, depois de assinar um acordo de paz, foi o estopim do conflito. Esse hotel ainda mantém as portas abertas, está em funcionamento mostrando a página virada e jogando luz ao que não pode se repetir jamais.

Hotel des Mille Collines, Ruanda.

No subúrbio de Gisozi, o Memorial do Genocídio nasceu em 2004, para documentar esse episódio tão triste da história recente da humanidade. Além de mostrar uma linha do tempo com fotos que trazem lágrimas aos olhos enquanto são traduzidas por um áudio guia, há um pequeno jardim interno onde estão sepultadas mais de 250 mil vítimas. Uma visita que traz pesar e reflexão.

Memorial do Genocídio de Ruanda.

Aos poucos as páginas vão sendo viradas e a esperança preenche os espaços vazios. O conflito étnico foi soterrado e Ruanda dá a volta por cima. Hoje tem uma das economias que mais crescem na África, sendo um país considerado modelo. Tem população jovem, majoritariamente rural e valoriza a igualdade de gênero tendo aproximadamente 70% das cadeiras do parlamento ocupadas por mulheres, uma vez que elas ajudaram a reconstruir o país quando grande parte da população masculina foi perdida.

Centro de Convenções de Ruanda.

Kigali, a capital do país, foi minha porta de entrada. Andar pelas ruas da cidade é a certeza de se surpreender com a segurança, com a beleza das avenidas floridas, com a arquitetura, com a organização do trânsito e principalmente com a limpeza. Uma vez por mês toda a população é convocada a limpar o país e até o presidente faz parte do mutirão. Além disso, há uma política forte de redução do uso de plástico.

Hotel The Retreat, Kigali.

Uma das provas dessa recuperação estrondosa é a hotelaria. No centro de Kigali, o hotel-boutique The Retreat, do grupo Heaven, é uma bela surpresa. Projetado por um casal de americanos que se mudou para Ruanda com a intenção de ajudar a reerguer o país, esbanja charme e preocupação com o meio ambiente em suas 20 acomodações. Os móveis são fabricados por artesãos de uma fazenda da vizinha Tanzânia com madeira de reflorestamento e usa energia solar, inclusive para aquecer a piscina. As acomodações têm decoração contemporânea e contam com pátios internos, tendo oito vilas com piscina privativa. A gastronomia é ponto alto com dois bons restaurantes, um de cozinha fusion e outro com culinária local. 

O hotel também auxilia na organização de tours pelo país e oferece carros com motorista para facilitar a experiência com os gorilas no Parque Nacional dos Vulcões, uma vez que o grupo tem sua própria agência de turismo. Quem ficou hospedado recentemente no The Retreat foi o atual rei Charles III do Reino Unido com a rainha consorte Camilla.

Estrada Kigali - Parque Nacional dos Vulcões.

Depois de dois dias em Kigali, acordar cedinho foi a senha para chegar mais perto do sonho de encontrar os gorilas. A grande aventura estava começando. Duas horas e meia de carro por uma estrada linda, bem asfaltada, com um acostamento pontilhado por trabalhadores rurais indo e vindo, a pé ou de bicicleta, com suas roupas coloridas carregando todo tipo de produtos para vender nos mercados. Não consegui desviar os olhos daquela explosão de cores. Antes das oito horas da manhã eu entrava no Parque Nacional dos Vulcões, nas Montanhas de Virunga, com o coração batendo forte e um sorriso de orelha a orelha. Por mais que as pessoas tivessem me dito o quanto seria lindo esse encontro eu não poderia supor o que realmente estava por vir.

Parque Nacional dos Vulcões.

Tomamos um café, que é gentilmente oferecido aos visitantes, e fomos direcionados ao grupo que visitaria a família de Agashya para receber as primeiras instruções do nosso guia. São aproximadamente 20 famílias de gorilas no parque que faz divisa com Uganda e Congo. No treinamento, aprendemos sobre o comportamento dos animais e como deveríamos reagir, dependendo do tipo de sons e gestos produzidos pelo bando. Mesmo tendo dois rangers (guardas armados) nos acompanhando, as orientações eram fundamentais para a segurança de todos. Dar um passo atrás caso algum deles estivesse caminhando em nossa direção, não olhar nos olhos, baixar a cabeça em sinal de submissão e evitar qualquer movimento brusco. Já preparados, tomamos o rumo da trilha.

Rangers acompanham a aventura. 

No parque existem três níveis de trilha, sempre montanha acima, mas com dificuldade que varia de leve a intensa, indo de três a oito horas de caminhada. Os guias designam a trilha mais apropriada para cada pessoa. A nossa tinha dificuldade média e durou, no total, 5 horas. Vale lembrar que o número de visitantes é limitado a 100 pessoas por dia no parque e as reservas devem ser feitas antecipadamente no site Visit Rwanda, pelo valor de 1.500 dólares por pessoa. Esse valor é revertido em benefício da população local. É caro sim. Mas é o tipo de turismo que faz a diferença no mundo.

Cena de partir o coração.

A trilha foi puxada. Duas horas subindo a montanha e adrenalina brotando por todos os poros De repente, parado à nossa frente um silverback, o patriarca do bando, com o rosto machucado. Ele havia disputado uma fêmea com outro membro mais jovem do grupo. Estava tristonho. 

Logo atrás dele havia vários gorilas comendo bambu e brincando sem se importar com a nossa presença. Congelei! Não conseguia acreditar nos meus olhos. Eles estavam ali, a menos de dois metros. Tão humanos. As mães fazendo carinho nos seus filhotes e os adolescentes numa tremenda bagunça. Por cerca de uma hora me senti parte do grupo, afinal eles compartilham conosco 98% do seu DNA. Apesar da proximidade, não tive medo em nenhum momento. Com os animais, tenho sintonia total.

A fofura dos bebês gorilas.

De volta ao carro, mas ainda em êxtase, o próximo destino era o Singita Kwitonda, praticamente no portão do parque. “Kwitonda” foi um lendário gorila das montanhas. O nome por si só já fala sobre o comprometimento do lodge, que está entre os mais espetaculares da África, e tem foco na preservação dessa espécie que esteve à beira da extinção em função dos caçadores clandestinos da região, que vendiam as mãos dos primatas como cinzeiro, e capturavam os filhotes para enviar a zoológicos e cativeiros.

Singita Kwitonda.

Depois do drinque de boas-vindas, um mergulho na Sala de Conservação para saber mais sobre essa espécie que foi socorrida pela paixão da zoóloga americana Dian Fossey. A pesquisadora dedicou sua vida a salvar os gorilas de Virunga. Uma história tão linda, que virou filme. Nas Montanhas dos Gorilas foi estrelado pela atriz Sigourney Weaver (com direito a Globo de Ouro) sendo que vários objetos cenográficos, como a máquina de escrever da personagem e sua mala, estão expostos nessa sala-museu do lodge. O final de Dian foi trágico. No entanto, seu esforço não foi em vão. O legado será eterno e os gorilas seguem habitando as montanhas.

Um filme que merece ser assistido.

Inaugurado em 2019, o Singita Kwitonda tem perfil intimista, com apenas oito acomodações extremamente luxuosas a um quilômetro da entrada do Parque Nacional dos Vulcões. As suítes são divididas em vários cômodos, totalmente envidraçadas e conectadas com a natureza, tendo os vulcões Sabyinyo, Gahinga e Muhabura à altura dos olhos. A decoração não tem como ser mais elegante. Lareira interna e externa, piscina privativa aquecida e objetos de decoração feitos por artesãos da região trazem encanto às vilas feitas em elementos naturais como pedra vulcânica, madeira e palha. Extremo bom gosto em todos os detalhes. A cozinha tem padrão excepcional e prioriza alimentos sazonais vindos diretamente da horta. Já a adega do lodge é uma das mais premiadas do continente africano, ostenta uma bela coleção de rótulos.

Singita Kwitonda, um oásis de luxo e conservação em Ruanda.

Interessante, especialmente para quem viaja com mala de mão como eu, que o Singita Kwitonda oferece roupas, botas e mochilas para serem usadas pelo hóspedes durante a hospedagem. Uma mão na roda.

Sala de vestir do Singita Kwitonda.

Já tive a oportunidade de viajar muito pelo mundo e de conhecer hotéis muito especiais, mas é difícil encontrar algo comparável ao Singita Kwitonda. A rede que nasceu na África do Sul, hoje tem lodges espalhados por quatro países do continente africano, sempre focados em manter o meio ambiente intocado para as futuras gerações.

Obrigada, Ruanda.

Ruanda foi uma bela surpresa. Do primeiro ao último minuto. Uma viagem realmente transformadora. Só tenho a agradecer. Murakoze!

DICAS IMPORTANTES

COMO CHEGAR

Kigali, a capital de Ruanda, costuma ser a porta de entrada do país. Do Brasil não há voo direto para Ruanda. Como eu estava vindo da Tanzânia, via Doha de Qatar Airways, fiz o voo Seronera – Kigali, com a Coastal Airlines (aeronave com 12 lugares). As escalas desse trecho costumam acontecer conforme a demanda dos passageiros naquele dia. No meu caso, foram duas paradas. A primeira em Kogatende, a segunda em Tarime (onde foi feito o procedimento de saída do país) e então Kigali.

DOCUMENTOS NECESSÁRIOS

Passaporte válido por seis meses após a chegada ao país, certificado internacional de vacinação contra febre amarela, visto feito on-line. Caso vá ao Parque Nacional dos Vulcões para fazer trekking com os gorilas é necessário apresentar PCR com resultado negativo feito até 72 horas antes da chegada. Fiz no próprio aeroporto de Kigali, com resultado enviado por e-mail em duas horas. O aeroporto é bem organizado.

ONDE FICAR

Em Kigali, recomendo ficar pelo menos uma noite (o ideal são 2) no hotel The Retreat.

No Parque Nacional dos Vulcões, recomendo o luxuoso Singita Kwitonda, praticamente na entrada no parque e com vista cenográfica das montanhas. Um dos hotéis mais espetaculares da África e talvez do mundo.

QUANDO IR

O país é tropical e tem temperaturas que variam de 15 a 30 C ao longo do ano, sendo que a estação seca vai do final de maio a outubro. Nos demais meses a estação chuvosa pode atrapalhar o trekking com os gorilas.

INGRESSO PARA O TREKKING

É permitida a entrada de no máximo 100 visitantes ao dia no Parque Nacional dos Vulcões para fazer o trekking com os gorilas. É tudo muito bem organizado. Compre antecipadamente seu ingresso no site https://visitrwandabookings.rdb.rw/rdbportal/web/rdb o valor do ingresso por pessoa é U$ 1.500 

COMO IR DE KIGALI ATÉ O PARQUE NACIONAL DOS VULCÕES

O trajeto de duas horas e meia é muito tranquilo por estrada asfaltada, excelente, segura, limpa e que revela muito sobre o país. Há quem fique hospedado em Kigali e faça um bate e volta em carro com motorista no mesmo dia. É uma boa opção. Mas, o ideal é ficar hospedado aos pés da montanha pelo menos por um dia para ter mais tranquilidade.

O QUE LEVAR PARA O TREKKING

É recomendável usar roupas em tons neutros para não chamar atenção dos gorilas. As trilhas costumam ter solo úmido e muitos arbustos, portanto use botas de borracha, elas são alugadas por 5 dólares na entrada do parque, caso seu hotel não ofereça. Calças compridas e mangas longas são necessárias para evitar arranhão nos arbustos. Também recomendo usar óculos e chapéu para se proteger. Dizem que não tem cobra nas montanhas. Com essa informação subi tranquila pois a mata é bem fechada.

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COMENTÁRIOS

  1. Matéria maravilhosa PARABÉNS

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    1. Ruanda é um destino espetacular. Daquelas viagens que marcam a vida e trazem muito crescimento pessoal.

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